terça-feira, 4 de março de 2008

ACADEMIA EÇA DE QUEIROZ

A Confraria Queirosiana acaba de criar a Academia Eça de Queiroz destinada a reunir todos os académicos da instituição que se dedicam ao estudo e divulgação das problemáticas oitocentistas, nomeadamente sobre a vida e obra de Eça de Queiroz, e o seu enquadramento épocal. Esta academia terá também a finalidade de enquadrar as acções de formação que habitualmente se realizam no Solar Condes de Resende com a sua colaboração.
J. Rentes de Carvalho no Bozar

No passado dia 15 de Janeiro J. Rentes de Carvalho, esteve no Bozar de Amesterdam a falar sobre Eça de Queiroz, num ciclo de conferências designado “Esplendor de Portugal” integrado no festival “Portugal and the World”, o qual teve arte, fados, danças e outras manifestações culturais. O evento decorreu no Paleis Voor Schone Kunsten, o Palácio das Belas Artes, ou simplesmente Bozar, desenhado em 1922 pelo arquitecto de origem portuguesa Victor Horta.
Antes de J. Rentes de Carvalho ali falaram Saramago e Lobo Antunes.

Eça & Outras

A IRREMEDIÁVEL IDIOTIZAÇÃO DA SOCIEDADE

O semanário Sol, com o patrocínio do Millenium BCP pôs no mercado «uma colecção de 12 obras clássicas da literatura portuguesa ilustradas e contadas às crianças por escritores actuais». Aparentemente a idéia é simpática e benzida pelo establishement: clássicos p’ró menino e p’rá menina, pois então, mas contados à sua maneira por um tio ou uma tia com algum nome nas letras.
No que me diz respeito, não vou ler, não vou comprar, nem vou recomendar a nenhum menino ou menina que leia estes atentados culturais, fraudes, paródias de mau gosto, oportunismo barato, que o resto que se possa chamar à iniciativa é melhor não pôr por escrito. Na minha opinião trata-se de um atentado à memória e à obra dos escritores que aparecem na colecção, nomeadamente Eça de Queiroz, Camilo, Garrett, Julio Dinis e Gil Vicente, assim forçados a dar boleia, sem hipótese de recusa, a José Luís Peixoto, Rosa Lobato de Faria, Pedro Teixeira Neves, José Jorge Letria, Clara Pinto Correia, Albano Martins, António Torrado, Rui Lage, Rui Zink, Possidónio Cachapa, Ana Luisa Amaral e Francisco José Viegas. Tudo boa gente, mas sem desculpa para esta maroteira comercialona.
Em primeiro lugar quase todos aqueles grandes escritores deixaram obra original susceptível de ser lida por crianças sem os favores literários das tias e dos tios contratados; bastava então editar esses textos, íntegros e fidedignos, apenas com a necessária actualização ortográfica e algumas notas de explicação para os termos e contextos caídos em desuso. Em segundo lugar, como é que, sem fazer dos textos originais uma limonada artificial de mau gosto, se explica o incesto de Os Maias a uma criança? E o lavar da honra com sangue ou uma paixão funesta d’ O Amor de Perdição? E a Mary de A Relíquia, entra ou não? Não valeria mais esperar que as crianças crescessem em corpo e entendimento - lendo entretanto os textos que aqueles autores para elas realmente escreveram - e então na altura adequada, que varia de pessoa para pessoa, deixá-las ler a obra verdadeira, integra, deliciosa, como o autor a concebeu para gente adulta de todas as idades?
Mas não. Os promotores da idéia acham-se com certeza uns génios, na linha de todos aqueles que concorrem para a idiotização da sociedade actual e que, formados em universidades speed culture, acham que vale tudo, o que importa é ter “sucesso”, vender muito, ir para os topes, acalcanhar seja lá o que for para “vencer”.
E já agora, se para adoptar uma criança é necessário tanta burocracia e peritagens de “especialistas”, ocorre perguntar se todos estes “adaptadores” têm tido sucesso como pais, educadores, professores, ou simplesmente como cidadãos equilibrados capazes de entender o que é uma criança ou, por outras palavras, se os enredos ficcionais escolhidos - pois não se trata só de “textos” e ilustrações - são os mais adequados para as ditas. Dir-me-ão que os pais farão o filtro: mas o problema é que os que hoje são pais, na sua maioria, foram criados na literatura de supermercado ou fizeram cursos superiores a ler fotocópias sublinhadas ou a responder aos testes (quando os houve) com cruzinhas. Alinham pelo mesmo modelo e diapasão.
Não se admirem pois se daqui a uns poucos de anos encontrarem jovens adultos que opinarão com o ar mais sério deste mundo que já leram Os Maias do José Peixoto Queiroz, Os Incas do Gil Vicente, O Inferno do José Castelo Branco, O Barqueiro do Millenium do Fernando Pessoa, A Relíquia Perdida do Eça Spielberg ou o Frei Luís do Miguel de Sousa Tavares.
Agora é para o que está. É entrar, é entrar que o Vale Tudo é que está a dar. Depois das universidades do tricot e outras idiotizações da sociedade, aparentemente baseadas na “democratização da cultura”, acabaremos por ter cursos de gestão em fascículos para bébés recém-nascidos. Na sua simplicidade humana, estes apenas produzem caca: suponho que ainda não se vende.

J. A. Gonçalves Guimarães
Mesário-mor da CQ