quarta-feira, 30 de julho de 2008

Eças & Outras - Julho

EÇA DE QUEIRÓS E A EMIGRAÇÃO


Muitos escritores portugueses escreveram sobre esse desígnio nacional que é a emigração. O estar para além das serras ou oceanos sempre foi uma constante na maneira de ser portuguesa, herdada de povos migrantes que aqui nos moldaram sobre o fundo étnico indígena: mediterrânicos, germânicos e nórdicos, que por aqui passaram deixaram-nos nos cromossomas o elemento da irrequietude, que a terra magra, as elites estúpidas e as contingências dos tempos transformaram em fatalidade.
Se há alguém que tem obrigação de entender o que é isso de ter de deixar a terra menina são os portugueses; mas uns entendem mais e outros menos.
Se há escritor português que lidou de perto e por dentro com o fenómeno migratório foi Eça de Queirós. Desde pequenino que a sua peregrinação de lar em lar começou cedo: Póvoa, Vila do Conde, Aveiro, Porto, Coimbra, Lisboa, Évora, Egipto, Palestina, Líbano, Leiria, Cuba, Estados Unidos, Canadá, Newcastle, Bristol, Angers, Vila Nova de Gaia, Paris, Londres, Sintra, Baião, Viena de Áustria, Cascais, Serpa, Suíça, são apenas os pontos de referência maiores deste andarilho por vilas, cidades e países, onde às vezes regressou repetidamente, e onde viu o estrangeiro, o culie, ou o emigrado que ele, afinal, também era.
Mas, além do mais, Eça era um funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros e essa sua especialização profissional levou-o a deixar-nos um relatório notável de rigor sobre o problema da emigração, escrito em 1874, mas que só viu a letra impressa em 1979 pela mão de Raúl Rego e, mais recentemente, pela de Isabel Pires de Lima e de José Lello, com edições em 2000 e 2001 nas Publicações D. Quixote, mas que creio definitivamente esgotadas, onde deixou pensamentos como estes: «[a emigração] estabelece a fusão das raças, cria novos tipos de humanidade e novas originalidades de temperamento» (2.ª edição, pág. 125/126); «perante a emigração qual deve ser a atitude dos governos? Evidentemente uma simples interferência policial... A emigração é uma lei económica e como tal tem de ser abandonada à sua evolução natural. Acelerá-la é perigoso; reprimi-la é inútil» (idem, p. 145); «... o proibir a emigração livre é inútil, é criar uma outra bem mais deplorável - a emigração clandestina - , é fazer entrar o homem na nova vida do trabalho pela porta da desobediência» (idem, p. 148), terminando por afirmar e fazer a apologia « da emigração como força civilizadora», a última frase do seu texto que deu o título às referidas edições.
Face ao que a Comunidade Europeia legislou recentemente sobre migrantes só podemos concluir que Bruxelas nunca leu este relatório do consul Eça de Queirós. E Lisboa, que se apressou a seguir as suas directivas, também não. Reclama-se pois uma nova edição deste texto que Eça de Queirós escreveu vai para 134 anos, mas agora traduzido para as vinte e tal línguas do “alargamento”. Enquanto é tempo, pois como daí se infere, a Europa tem aprendido pouco consigo própria e começa a renegar a sua própria civilização.

J. A. Gonçalves Guimarães

OUTRAS

DOUTOR EM HISTÓRIA DA SAÚDE

No passado dia 23 de Junho, o nosso confrade Augusto José Moutinho Borges apresentou na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa as suas provas de doutoramento na área de Ciências da Vida, especialização em História das Ciências da Saúde, com a tese “Os Reais Hospitais Militares em Portugal administrados e fundados pelos Irmãos Hospitaleiros de S. João de Deus (1640 - 1834)”, orientada pelo Prof. Doutor Luis Nunes Ferraz de Oliveira, tendo sido arguentes a Prof. Doutora Amélia Ricon Ferraz, directora do Museu de História da Medicina Maximiano Lemos e professora na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, e o Prof. Doutor Vitor Serrão da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. O júri atribui-lhe a classificação de muito bom com distinção e louvor por unanimidade.

Legenda - Doutor Augusto José Moutinho Borges; fotografia do semanário A Guarda

S. TIAGO DA ESPADA PARA QUEIROSIANO

No passado dia 10 de Junho, o Presidente da Republica agraciou com a ordem de S. Tiago da Espada, grau comendador, o Prof. Doutor Carlos Reis, catedrático da Universidade de Coimbra, actual reitor da Universidade Aberta, grão-louvado da Confraria Queirosiana, autoridade académica em assuntos ecianos e defensor do novo Acordo Ortográfico para a Língua Portuguesa. Esta condecoração, que se junta às que tem recebido no país e no estrangeiro, distingue uma carreira notável em prol da Cultura Portuguesa.

O Primo Basílio na TV

No passado dia 17 de Junho a TV Globo Portugal repôs uma mini-série baseada no romance de Eça de Queirós, adaptado por Gilberto Braga e dirigida por Daniel Filho, com um elenco de luxo em que pontuam Tony Ramos, Marília Pêra, Giulia Gamm e Marcos Paulo, que interpreta o primo. Mais uma notável contribuição para a divulgação da obra do grande escritor português que os brasileiros tanto apreciam.

VENCIDOS DA VIDA

Comemorando os 120 anos do aparecimento de “Os Vencidos da Vida”, o Turf Club de Lisboa organizou em 2007 um ciclo de conferências sobre sete dos seus antigos sócios que integraram aquele grupo. Essas conferências apareceram agora em livro em edição conjunta com a Tribuna da História.
Em Setembro próximo será lançado na Vindouro, em São João da Pesqueira, a biografia de um dos “Vencidos” com o título Marquês de Soveral homem do Douro e do Mundo, do historiador J. A. Gonçalves Guimarães, versão em português e inglês (assinada pela tradutora Karen Bennette), edição muito ilustrada.

EÇA E CAMILO

Pela Parceria A. M. Pereira, o incontornável A. Campos Matos acaba de lançar o livro A Guerrilha Literária Eça de Queiroz - Camilo Castelo Branco, tão belo quanto didáctico, tão agradável quanto proveitoso, tão surpreendente como sólido, pois está lá tudo o que quiser saber sobre as relações literárias entre os dois gigantes da Literatura Portuguesa da segunda metade do século XIX. Guerrilha literária? Talvez assim se possa chamar à enorme admiração que tinham um pelo outro, a despeito da diferença cronológica de vinte anos que os separava, as modas literárias e os percursos diversos, com alguns pontos biográficos e geográficos comuns. E também os seus amuos, ciumeiras e má-língua que ambos deixaram escapar pelo sucesso do outro, às vezes em manifestações tão mesquinhas quanto inúteis. Mas, que se há-de fazer, os grandes escritores nem sempre se livram facilmente dos tiques darwinianos mais comuns. Gostaríamos que fossem só génio, mas quase sempre são também muito humanos e, às vezes, muito mauzinhos. Leia, que vai gostar e, pelo menos nisto, sentir-se-á igual a Eça e a Camilo, no que ambos tinham de pior.



O MISTÉRIO DA ESTRADA DE SINTRA

A Lusomundo editou recentemente o DVD com aquele título, de Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão, adaptado por Jorge Paixão da Costa. Da edição, para além desta versão do conhecido policial, fazem parte comentários do realizador, cenas cortadas, o evitável final alternativo, essa estúpida concessão ao público mais própria de séries foleiras, mas a que as audiências “obrigam”, e, o que talvez tenha mais interesse, a rodagem do filme e os problemas da recriação da época, para além de um olhar sobre a obra dos dois escritores (ver notícia na página Eça & Outras n.º 31, de 25 de Maio de 2007.

IMPRESSÕES DO ORIENTE

No Museu Nacional de Arqueologia (Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa) abriu ao público no passado dia 7 de Julho a exposição fotográfica «Impressões do Oriente. De Eça de Queirós a Leite de Vasconcelos», com imagens captadas nas últimas décadas do século XIX e princípio do século XX em diversos países e lugares relacionados com as antigas civilizações do Próximo Oriente. Ali estão presentes os manuscritos que Eça redigiu sobre a sua famosa viagem com o Conde de Resende realizada em 1869.

UM RECANTO DE HUMANIDADE

No passado dia 22 de Junho faleceu o Dr. Manuel Soares Gonçalves, confrade queirosiano, natural de Canelas, Vila Nova de Gaia, onde nasceu em 1936. Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, foi dirigente da JOC, proponente da SEDES e membro do PPD aquando da sua fundação.
Conhecido advogado, deixou expressas a sua propensão humanista e preocupações sociais no livro Um Recanto de Humanidade, recentemente editado por Edições Gailivro, onde em pequenas crónicas recorda figuras e factos da meninice e da escola primária na sua terra natal, então marcada por uma intensa ruralidade, embora situada ao lado da estrada nacional que levava ao Porto e ao Mundo. Um sentido testemunho de um tempo passado em que, tal como agora, alguns poucos engordavam à custa da pobreza cada vez mais magra da maioria que trabalha. O livro é sobre estes últimos porque os restantes passam na narrativa todos de automóvel, a correr, ficando deles apenas o fumo negro e espesso dos que não querem que sobre eles se escrevam estórias e muito menos História. Por isso mal se dá por eles neste livro de des(encanto), como que um testamento de afecto que o autor logrou legar num estreito amplexo em que irmanou a sua pequena humanidade de ao pé da porta.
Manuel Soares Gonçalves deixou uma grata saudade em todos aqueles que com ele privaram, e que hão-de reler este livro em tardes vagarosas debaixo das camélias do Solar Condes de Resende, «que fica a poucos metros da casa onde nasci e da minha Escola» como deixou escrito no exemplar que ofereceu ao seu Centro de Documentação.

Retrato: Dr. Manuel Soares Gonçalves

Página dos Amigos do Solar Condes de Resende
- CONFRARIA QUEIROSIANA
Nº 45 – Sexta-feira, 25 de Julho de 2008
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