«As ciências no Antigo
Egipto»
Doutor
Telo Ferreira Canhão
É um dado adquirido que a Grécia antiga foi
fundamental para a construção da civilização e da consciência do mundo
ocidental. Foi na Grécia clássica que o pensamento racional se impôs e que a
filosofia nasceu como alternativa às crenças mítico-religiosas ancestrais.
Uniformizaram-se sistemas de
conhecimento, submetendo as causas primeiras de cada um aos vários pressupostos
e métodos gerais da ciência, assentes em dois conceitos fundamentais: o
antropocentrismo e o racionalismo. É esta a sua originalidade: o homem como
centro de interesse e de especulação, e a prioridade da
razão sobre o mito. Segundo Protágoras, o homem, «medida de todas as coisas», é
simultaneamente herói e destinatário
dessa aventura. Mesmo assim, ainda estávamos longe do pensamento de Descartes, posteriormente desenvolvido na prática por Newton!
Contudo,
os sábios da Grécia antiga iam ao antigo Egipto para aprender, pois sabiam que aí existia uma ciência venerável e um elevado nível de conhecimento, ainda que
misturados com práticas mágicas
e religião. Como diz Plutarco em Ísis e Osíris, «os gregos mais ilustres:
Sólon, Tales, Platão, Eudóxio, Pitágoras e, segundo alguns alunos, também Licurgo,
foram viver para o Egipto e chegaram a gozar de intimidade com os sacerdotes.
Por isso se diz que Eudóxio ouviu as lições de Conúfis o de Mênfis; que Sólon
deu ouvidos às do saíta Sonchis; e que Pitágoras conversava com o heliopolitano
Enúfis.» (Plutarco, Ísis e Osíris,
10). Ficou ainda registado, por exemplo, que Platão foi
discípulo de Secnúfis, de Heliópolis, e Pitágoras enunciou o seu famoso teorema
quando saiu do Egipto, cerca de 520 a. C., depois de lá ter vivido alguns anos.
Ora, como o povo egípcio
era pragmático por excelência, toda a sua ciência era empírica, fortemente
utilitária voltada para a solução dos problemas do dia-a-dia. Por exemplo, a
matemática e a geometria desenvolveram-se enquanto procuravam soluções para a
medição de terras, o traçado das pirâmides ou dos templos, ou nos registos e
cálculos associados ao comércio; a medicina e a farmacopeia com a necessidade
de aliviar o sofrimento de quem necessitava; a astronomia por causa da
premência de uma medição correcta do tempo, tão necessária à agricultura. Mas o
seu conhecimento não passava de conjuntos de regras que permitiam a resolução
de certas questões que, embora assentassem na observação, jamais se desligaram
da religião e da magia, nunca tendo sido organizados em leis gerais.
É por isso que saberes como a geometria e a
astronomia só se constituíram ciências com os Gregos, apesar de sabermos que os Egípcios e os Mesopotâmios lhes
dedicaram imensa atenção. Faltava-lhes o logos (λòγος), o conhecimento racional desenvolvido a partir da observação e
da experimentação, que faria com que deixassem de ser apenas colecções de
regras e passassem a ser conjuntos de conhecimentos sistematizados,
relacionados e explicados de forma racional, de modo a que o conhecimento das
causas e efeitos permitisse a enunciação de leis gerais. Por esta razão, as leis egípcias, ainda que escritas e devidamente arquivadas, não
constituíram códigos de leis como os romanos mais tarde viriam a concretizar. Os conhecimentos científicos
concentravam-se nas mãos de poucos, principalmente de alguns sacerdotes e
escribas, cujos papiros eram uma espécie de cadernos de apontamentos onde
registavam as suas impressões, os seus raciocínios e as suas soluções, sobre o
conhecimento da sua área. Temos papiros médicos (Papiro Ebers, Papiro Smith ou Papiro Brooklyn, por exemplo), papiros matemáticos (Papiro Rhind e Papiro de Moscovo, por exemplo) e longas listas de leituras astrais.
Há muitos exemplos que
poderíamos integrar em diversas ciências, como a química (produção de cerveja,
de vinho ou de substâncias tintureiras, de origem animal ou vegetal, por
exemplo), da qual tinham um conhecimento residual nada ligado à prática desta
ciência exacta, mas que segundo a opinião de alguns, foi uma ciência a que
deram o nome; ou a física, onde sendo os construtores que eram, pouco mais
sabemos do seu conhecimento nesta área para além de que conheciam o plano
inclinado; ou, ainda, a biologia, onde a descrição minudente de múltiplos
aspectos dos animais que observavam à sua volta, são insuficientes para se
poder considerar a existência desta ciência natural no antigo Egipto. Contudo,
na sessão em que abordaremos as ciências do antigo Egipto, iremos focar-nos na
astronomia, na matemática e na medicina, aquelas que mais se aproximaram, de
facto, de uma ciência. No primeiro caso falaremos do tempo e incluiremos os
calendários e os relógios, para além de estrelas, planetas e constelações; na
matemática, onde não descuidaremos a geometria, falaremos da numeração egípcia,
das operações aritméticas como a soma, a subtracção e a divisão, de fracções, de
equações, de áreas, de volumes e do valor de π (razão entre a
circunferência de um círculo e seu diâmetro); por fim, na medicina e
na farmacopeia, falaremos dos vários tipos de profissionais da área, dos seus
conhecimentos médicos e do que faziam e usavam para curar os doentes. Alguns
destes conhecimentos sobreviveram até aos nossos dias.
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