A VIAGEM DE EÇA DE QUEIRÓS E DO CONDE DE RESENDE AO EGITO
Em outubro de 1869, Eça de Queirós,
então com 23 anos, acompanhando o seu amigo conde de Resende, na altura com 25
anos, partiram de barco para o Egito a fim de assistirem à inauguração do canal
de Suez. Os dois jovens saíram de Lisboa e desembarcaram em Alexandria a 5 de
novembro, seguindo de comboio para a cidade do Cairo, a capital do Egito. Em Alexandria recebeu Eça a primeira
grande desilusão do seu percurso oriental: não gostou da cidade, e
reconheceu que apenas se sentiu atraído por algumas «curiosidades clássicas»: a
«coluna de Pompeu» e as ditas «agulhas de Cleópatra» (a primeira é uma coluna
erguida no reinado do imperador Diocleciano, e as segundas são obeliscos
erguidos por Tutmés III à entrada do templo de Heliópolis e levados depois para
Alexandria durante o reinado de Augusto).
Descrevendo a sua viagem de comboio
através do Delta, entre Alexandria e o Cairo, pela via férrea montada pelos
ingleses, Eça alude com bastante afeto aos habitantes do Egito, com referências
ao felá, o camponês do Nilo, fazendo argutas comparações entre os Egípcios da
sua época e os dos tempos faraónicos, e vai tecendo irónicas
observações acerca da situação da mulher no Egito e no mundo do Próximo Oriente
e seus costumes, não deixando adrede de criticar com veemente adjetivação
a administração corrupta daquele tempo, comparando-a com a eficácia do regime
faraónico, louvando o rei Amenemhat III.
Nos arredores do Cairo Eça e o
conde de Resende visitaram Heliópolis, onde ainda hoje está o obelisco de
Senuseret I, da XII dinastia, as ruínas da cidade de Mênfis, e a região tumular
de Sakara, com o complexo funerário do Hórus Djoser, da III dinastia (que Eça
não menciona), o Serapeum (os túmulos dos bois Ápis, animais sagrados do deus
Ptah) e o túmulo do funcionário Ti, da V dinastia, para além das célebres
pirâmides de Guiza. O momento alto
da sua incursão pelo passado faraónico foi a visita ao planalto de Guiza, para
admirar as gigantescas pirâmides que se erguem no local, e às quais dedicou nas
suas notas de viagem sugestivas descrições.
Também merece destaque a
experiência fruída na visita que fizeram ao antigo Museu do Cairo, para
apreciar as «vetustas antiguidades egípcias, velhas de milhares de anos». Nesse
edifício, sito na zona de Bulak e hoje desaparecido, o egiptólogo francês
Auguste Mariette (que Eça conheceu numa sessão da Ópera do Cairo) instalou um
acervo de antiguidades egípcias, inaugurado em 1863, e que o nosso escritor
conheceria seis anos depois, deixando-nos dessa visita uma interessante
descrição.
Para Eça, o Cairo era «o centro do
Egito e a sua maravilha». Impressionou-o o cosmopolitismo da metrópole cairota
(na altura com 300 000 habitantes), tendo visitado os reduzidos vestígios
coptas e os mais notáveis monumentos islâmicos na Cidadela e nas zonas em redor,
como os túmulos dos califas (hoje numa zona cairota conhecida como «cidade dos
mortos»), a vetusta mesquita de Amr, a mesquita de Ibn Tulun e a Universidade
de Al-Azhar, junto do bazar de Khan el-Khalili.
A inesquecível estada dos dois
amigos no Egito durou menos de dois meses, mas o sentimento de afeto e
nostalgia que ficou enraizado em Eça depois da sua jornada nilótica está bem
ilustrado nas palavras que deixou numa das páginas dos cadernos de viagem: «Por
vezes sinto o desejo de ficar aqui, ter um búfalo, uma mulher egípcia,
descendente dos velhos donos do solo, e lavrar o meu campo no meio da serena
paisagem do Nilo».
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