quarta-feira, 2 de abril de 2008

Eças & Outras

AS MEMÓRIAS DE D. MARIA Augusta d’Eça d’Alpuim

Ele há as grandes edições de bons e maus autores, os livros que ficam e a literatura que esquece. Ele há também aquelas obras pessoais, confidencias ou memórias, normalmente em pequenas e modestas edições, de autor ou da câmara municipal lá da terra. Também aqui há bom, mau e assim assim. Mas, às vezes, livros muito honestos porque são, e apenas querem ser, as memórias pessoais de quem os escreve, para apenas as partilhar com os outros. Antes que se percam.
Está neste caso o livro Os Eças. Memórias, de Maria Augusta d’Eça d’Alpuim, edição da autora de Viana do Castelo, 1992, mas que só agora me chegou às mãos através de seu sobrinho João Alpuim Botelho.
Com um simpático prefácio de Artur Anselmo, que lhe chama «uma guloseima para os queirozianos mais exigentes», nestas suas memórias a autora aborda pessoas, e respectivas circunstâncias, tão interessantes como a família materna de Eça de Queirós e vários dos seus membros, de quem apresenta uma genealogia, passando entretanto pelos Pereira d’Eça, a Torre de Belém, Moçambique, o castelo de Viana, Júlio Dantas, Luís Arenas de Lima, Ana de Castro Osório, Leal da Câmara, André Brun, Norton de Matos, a filha de Guerra Junqueiro, Bernardino Machado, Antero de Figueiredo e muitos outros.
Não deixando de abordar as especiais circunstâncias do nascimento de Eça de Queirós, ainda recentemente polemizadas por Agustina Bessa Luís, José Hermano Saraiva e António Benedito Eça de Queirós, nesta obra através da visão da família materna, sobre a biografia do escritor apresenta algumas das confusões habitualmente repetidas, mas nem por isso menos erradas. Assim, Luís Benedito de Castro de Sousa Holstein, 5.º conde de Resende, com quem Eça foi ao Egipto em 1869, irmão de Emilia, futura mulher do escritor, nunca foi seu cunhado, pois morreu antes do casamento; o cunhado de Eça foi o 6 .º conde de Resende, Manuel de Castro Pamplona; Eça casou na capela particular da Casa de Santo Ovídio, que não era exactamente um oratório, mas uma verdadeira capela, entretanto já demolida. À data da “constituição” dos Vencidos da Vida, os seus membros que receberam títulos ainda não os tinham, como é o caso de Luís de Soveral, que só foi marquês em 1901; como muitos outros autores, alguns com mais responsabilidades, a autora exagera na importância da Quinta de Santa Cruz do Douro na vida e obra de Eça, dizendo que o facto de Emília a herdar «... veio proporcionar ao escritor um contacto com a Natureza que nunca tivera e que se reflecte nos seus últimos livros» (op. cit. p. 155). Então e o contacto com a dita em Verdemilho, Aveiro, em criança? E na Quinta de Santo Ovídio, então completamente rural, bem assim como os arredores da cidade do Porto durante a juventude? E Coimbra e os campos do Mondego? E Leiria? E Évora? E os passeios pelo Minho e Douro Litoral com os amigos? Eça era com certeza um citadino, mas, desde muito novo, que conheceu em pormenor o mundo rural; por fim, segundo o Dicionário de Eça de Queiroz; organização e coordenação de A. Campos Matos. Lisboa: Editorial Caminho, 1988, p. 194/195, Eça de Queiroz terá morrido de uma amebíase e não de tuberculose.
Mas tirando estes erros, que a autora foi buscar à biografia escrita por João Gaspar Simões, ou a outras, já corrigidas pelos estudos mais recentes, o livro tem na realidade interesse por muitos pormenores relacionados com aquelas personalidades que se cruzaram no seu caminho ou no das suas memórias familiares.

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